terça-feira, 29 de março de 2011

OPORTUNIDADE DE FORMAçAO

Audições para o Theatre Training Research Programme – Singapura


O TTRP – Theatre Training and Research Programme – em Singapura, abre audições para o programa profissional de treinamento para atores com a duração de três anos. O primeiro semestre inicia em 3 de janeiro de 2012.

Data limite para inscrições: 15 de abril de 2011.
As audições no Brasil serão unicamente em Porto Alegre:

29 de abril de 2011
Local: TEPA – Teatro Escola de Porto Alegre
Av. Cristóvão Colombo, 400
Porto Alegre/RS
Informações e inscrições com
Leela Alaniz por e-mail leela@pasdedieux.com
por telefone: (51) 8173-9089



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O Theatre Training Research Programme é o único programa profissional intercultural de treinamento para atores de teatro contemporâneo com duração de três anos. Ele mergulha os estudantes em intensas interações entre formas de teatro tradicional de países asiáticos – Opera de Pequim ou Opera Kun (China); Kutiyattam ou Kathakali (Índia), Teatro No (Japão) e Dança Wayang Wong ou Balinesa (Indonésia), paralelamente com técnicas Stanislavskianas e Pos-Stanislavskianas. O programa é constituído basicamente da formação de módulos que envolvem: Interpretação, Voz e Texto, Movimento, Tai chi & Meditação e Ciências Humanas, além das formas tradicionais asiáticas acima mencionadas.

As aptidões, técnicas e as abordagens adquiridas pelos alunos são então re-contextualizadas através de uma série de projetos, criações e apresentações originais de performances. Este processo de aprendizado de diferentes técnicas, e a combinação destas, se efetua em um ambiente intercultural marcado por uma variedade de idiomas, uma multiplicidade de culturas e uma vasta paleta teatral.

O programa criado é inspirado no teatro contemporâneo de Singapura ao longo dos últimos 40 anos e, em particular, a partir da prática artística e a visão multicultural de seu fundador Kuo Pao Kun.

Maiores informações visitar o site http://www.ttrp.edu.sg

Interessados deverão:
- ter idade mínima de 18 anos (não existe limite de idade máxima);
- ter graduação em Artes Cênicas ou Dança ou segundo grau completo com experiência profissional comprovada para equivalência;
- passar na entrevista e nas provas práticas da Audição;
- estar apto(a) fisicamente para treinamentos de turno integral (manhã e tarde), cinco dias por semana;
- ter proficiência em Inglês (o idioma principal dos professores é Inglês ou traduzidos para esse).
- pagar a taxa de R$ 45,00 no dia da Audição

baixar a ficha de inscrição

baixar STUDENT HANDBOOK – informações

Valor da inscrição: R$ 45,00 – Não reembolsáveis

Se você deseja visitar nosso website clique www.pasdedieux.com
Cie Pas de Dieux Fundada em 2004, a Companhia Pas de Dieux pesquisa, em primeiro lugar, as possibilidades corporais como base da dramaturgia: a ação que se alonga e se ramifica, que cria um percurso a partir de sua própria lógica. Pas de Dieux utiliza como fonte de pesquisa e criação da Mímica Corporal elaborada por Etienne Decroux, essa disciplina que ensina a isolar as diferentes partes do corpo, a variar a intensidade e o ritmo dos movimentos e a jogar com as tensões e os relaxamentos musculares. As investigações orgânicas da Antropologia Teatral são também parte integrante do trabalho do ator. Além do movimento corporal, a linguagem falada contribui para revelar a Poesia como principal razão de Ser.

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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Estar no momento presente

Parei de trabalhar no hospital (de palhaço - para aqueles que começaram no blog agora.)
Desde que iniciei na universidade.
Esses dias recebi esse e-mail que minha coordenadora mandou com a fala da psicóloga do hospital:

"Prezada Cr.,
A ação de natal foi bastante divertida. Dei muitas risadas com a Dra. KIKI, assim como os pacientes e funcionários. Ela é engraçada. Na hora da intervenção, como eram 4, foi necessário dividir de 2 em 2 para cada quarto/leito. Pois algumas crianças se assustaram com tantos Clowns. Os funcionários não cansam de perguntar pelo Dr. Domdom e pela Dra. Provisória. Mas no geral foi muito bom. [...]"


Dra. Provisória sou eu. E o Domdom meu precioso parceiro.


Às vezes penso que "tudo" se resume à entregar-se.
A estar no momento presente. Com desejo. Disposta a jogar. Com desejo.



Nós dois e um funcionário do hospital.

A técnica colabora, mas o brilho de desejo nos olhos.... isso não se ensina... no máximo se dá a mão no estímulo à procura do outro (o "aprendiz")...

Saudade Domdom.
cAROL

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Lambe-Lambe: teatro de bonecos em miniatura.

Texto publicado na primeira revista sobre Teatro de Lambe-Lambe, pela cia. Andante.




Inversamente proporcional: o trabalho do ator-animador no Teatro de Lambe-Lambe.

Caroline Holanda[1]

Percebo que muitos pensam que o Teatro de Animação é um campo artístico de mais fácil criação e execução. É bem verdade que alguns trabalhos que se encontram por aí colaboram para a formação dessa opinião. Entretanto, essa arte é extremamente exigente em seu fazer. A interpretação do ator se estabelece na relação entre seu corpo e o objeto, mas é no objeto que ela tem sua imagem apresentada, realizando o que chamamos de desdobramento objetivado e que caracteriza o trabalho do ator no Teatro de Animação.

Mantendo a presente reflexão no âmbito dos princípios técnicos do Teatro de Animação, eu diria que se uma partitura de gestos e ações executada com clareza e precisão constitui um dos fundamentos da animação, na miniatura ela é uma condição imprescindível, já que qualquer mínimo movimento toma grande dimensão. Assim como a noção de síntese, na qual um elemento pode representar mais que a si mesmo, mais que aquilo que apresenta enquanto fonte de significação, deixando lacunas a serem preenchidas pelo público num ato criativo.

A síntese no Lambe-Lambe é hiperbólica: o boneco-objeto pequeno - geralmente com mais restrita mobilidade que os convencionais - demandam ainda mais apurada seleção dos gestos e ações mais expressivos na composição de sua partitura. Lembro de certa vez uma colega narrar-me a cena de um Lambe-Lambe em que a flor piscava os olhos e... assim que pude lhe perguntei: “E o boneco tinha mecanismo de olhos?”... ao que ela me respondeu que não. A piscada de olhos por ela “vista” é fruto da execução da animação em conjunto com sua imaginação. Acontece, portanto, nessa vertente do Teatro de Animação, um aumento da participação dos espectadores na construção de sentido dos signos apresentados. Essa participação, além dessa característica, ocorre com a intensificação da relação de proximidade entre artista e espectador, dado que o ator-animador desenvolve seu trabalho para uma pessoa e, embora possa ser para um número maior, como encontramos, o tamanho reduzido dos objetos convida a essa aproximação.

Muito poderia ser falado sobre esse universo que se encontra em plena efervescência no Brasil, sob diferentes perspectivas nessa abordagem. Entretanto, centrando-se sobre o recorte dado nesta reflexão, sublinho então que, ao contrário do que pode parecer, o Teatro de Lambe-Lambe exige do ator-animador um esforço inversamente proporcional ao seu tamanho: quanto menor o objeto inanimado maior a exigência em sua animação. Isso claro, se também for inversamente proporcional à miniatura o comprometimento do artista na realização de um trabalho de qualidade.



[1] Mestre em Teatro com pesquisa sobre Teatro de Animação pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC.

e-mail: carolmassinha@yahoo.com.br

blog livre: http://www.bola-cor-e-flor.blogspot.com/

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Juju e Rôro - improvisação em cena: a relação entre palhaço e público.



Foto do dia da apresentação do texto, no Festival Anjos do Picadeiro 8.
O artigo abaixo foi publicado na revista Anjos do Picadeiro.

Juju e Rôro - improvisação em cena: a relação entre palhaço e público.

Caroline Holanda*

O objetivo desse trabalho é elencar alguns elementos oriundos de uma experiência cênica (Juju e Rôro) cuja participação do público ocorre como atuante na cena e, assim, compartilhar questões que emergem na formação de uma palhaça iniciante.

Procuro ainda um caminho nessa linguagem, o meu. E gosto daquele apontado pelo educador Paulo Freire (1981) quando fala da práxis num processo permanente de formação. Nesse conceito de práxis, ação e reflexão compõem uma mesma unidade. O aprendizado do palhaço, ou melhor, o aprendizado do meu palhaço, não pode ocorrer longe da prática. E isso me dá muito medo porque significa me expor a um número de erros, muitas vezes, maior que o de acertos. E isso implica, por sua vez, me defrontar com constantes fracassos... e com meu orgulho. Entretanto, meu desejo de chegar num bom nível de qualidade profissional é maior que meu medo - uma equação em constante duelo.

Após a primeira apresentação de Juju e Rôro, procurava elementos para melhorar aquilo que considerei como falhas, quando encontrei um depoimento de Tiche Vianna numa reportagem que dizia: “Em terras européias, trabalhou com um grupo de iranianos na confecção de máscaras e passou experimentá-las nas ruas. ‘Aprendi que é preciso dar a cara para bater’, diz ela, que saiu do Brasil com uma mochila nas costas e muita curiosidade e voltou como referência na construção de máscaras.” (grifo meu, on line, 2009). Vários bons profissionais da máscara do palhaço falam sobre o loooongo percurso de “tapas na cara” até que o número de fracassos seja inferior ao de acertos. Chacovachi menciona esse processo de auto-construção: “o palhaço pode se ensinar e também é uma decisão própria a investigação que a gente pode ter.(online, 2009).

Em Juju e Rorô optei por trabalhar com uma estrutura que utilizava antes de iniciar na linguagem do palhaço. Ela consta de pontos fixados e preparados com antecedência e lacunas para improvisação a serem preenchidas com a participação do público e outras interferências. Após a apresentação, reflito sobre, num processo de composição em que seleciono o que fica, o que sai, o que pode ser inserido, melhorado, etc. Assim adotei como metodologia do processo de aprendizado do palhaço e construção do espetáculo, as seguintes etapas: idéias preparadas; idéias experimentadas + improvisações/acaso + novas idéias; reflexão das idéias/acontecimento cênico. E recomeçava o ciclo...

UM POUCO DO PROCESSO

Há alguns meses fui contratada como professora temporária, atuando na Coordenadoria de Programas e Projetos, no Departamento de Arte e Esporte, na cidade de Sinop - M.T. Decidimos que nosso primeiro contato na escola seria com arte. Montamos um espetáculo para o Ensino Fundamental I. Carecia ainda de uma interferência que contemplasse o público do Ensino Fundamental II. Logo vi ali a oportunidade de exercer o palhaço. Estruturei, para os adolescentes da 5º a 8º série, a intervenção cênica de palhaço já mencionada que consistia na idéia de contar sobre a existência de um “cara” que escreveu uma das obras imortais do teatro, Shakespeare.

Na estrutura pautada no improviso, dois personagens são desempenhados por pessoas do público à medida que narro e atuo. Aí emerge minha primeira questão de relacionamento: como cativar uma pessoa da platéia para que esta não apenas entre no espetáculo, mas que isto aconteça de uma maneira mais orgânica, menos travada/tensa? Eu os percebo receosos de que o palhaço o ridicularize. Além disso, a maioria dos adolescentes parecem estar constantemente sentindo-se expostos, ridicularizados a priori. E ainda, possuem um modo de se proteger que passa preponderantemente por “sacanear” o outro (na ocasião, a “bola da vez” era eu). E mais: eu me inseri no espaço deles, sem convite. Isso difere do público que vai (num deslocamento por desejo) a um espetáculo de improvisação e/ou palhaço.

Assim, a primeira coisa a pensar no espetáculo seria definir uma entrada que possibilitasse um contato interessante, um quebra-gelo. Minha primeira idéia foi realizar um jogo, nada “psicológico”, para que alguns pudessem jogar e o “vencedor” ficaria para atuar como Rorô. Escolhi o jogo do rabinho no modo mais simples possível exigindo deles atenção, prontidão, estar presente.

Fui à primeira escola, o Centro Educacional. Realizei duas apresentações, cada qual com mais ou menos 200 adolescentes. E percebi que: o fato de alguém ganhar o jogo do rabinho não implica que esteja disposto a jogar no palco como personagem. Outra: esse jogo estabeleceu entre eu e o público uma relação de animadora de auditório, uma oferecedora de instruções onde eu solicitava ao público que se expusesse, que entrasse no jogo, mas eu mesma não o fazia, apenas dava “ordens” e assistia. Achei então que eu deveria me colocar mais, me mostrar mais como palhaço/pessoa que ali se expõe, em condição muito humana e como tal, acerta e erra e erra e erra... Mais uma observação feita nessas experiências: das duas sessões de apresentação, a primeira eu mantive 100% do público comigo, na segunda apenas uns 70%, ficando os demais no fundo do espaço, demarcando, além do outros indícios, seu desinteresse pelo acontecimento.

Pensava sobre isso, sobre o que eu poderia ter feito para trazê-los ao espetáculo... sobre como sair da condição de animadora de auditório... Encontrei uma possibilidade de resposta, num princípio fundamental do palhaço: eu deveria ter ido até eles, me disponibilizar ao diálogo, ido ao encontro e não esperar que venham a mim. Se eles não vêm até mim, eu vou até eles!

Era (e é) na relação estabelecida com o público que para mim se configurava a chave maior do problema. Procurando e refletindo sobre isso, encontro nas palavras do experiente palhaço Avner Eisenberg (on line, 2009) alimento para minhas inquietações. Ele parece apontar a relação com o público como a base sobre a qual se constrói o espetáculo do palhaço e se chega ao riso:

Eu acho que a relação com a platéia tem que ser um diálogo com quem você ainda não conhece. É como conhecer uma nova pessoa: se você tem uma idéia, um jeito que quer que ela seja, nunca funciona. Pra mim, esse é o ponto da relação, tem respeito, gentileza e um senso de conforto. [...] A relação com a platéia é como uma relação de amor, de início, palhaço e público estão se conhecendo, é a primeira vez, então você quer causar uma boa impressão. Mas se começar a contar um monte de piadas, é demais. É preciso ir devagar, desenvolvendo o interesse. É muito como uma relação amorosa [...] Eles começarão a ir com você, e então terá risadas. (grifo meu)

Pois bem. O começo da relação acontece no primeiro contato, na Entrada. No intuito de remediar esse afastamento ocorrido com o público da segunda sessão que, pensava eu, seria uma constante nas escolas onde circularia, retomei uma idéia latente que precisava ser experimentada, qual seja a utilização de farinha de trigo para demarcação de um círculo no qual eu me apresentaria. A formação do círculo não é mais do que uma desculpa para estar ali, para relacionar-se. Foi assim que na segunda escola, ocorrendo esse mesmo posicionamento espacial dos jovens, distribuídos entre o grupo dos que se aglomeravam na frente onde pensava-se que iria ocorrer a apresentação e o grupo dos encostados na parede, ao fundo, comecei a experiência com a farinha. Saí da sala da secretaria escolar, onde me preparava para entrar, com meu saco de farinha de trigo e comecei a colocar na frente dos pés dos que estavam na parede, hora espremendo-os contra a parede, me divertindo com o modo com que eles respondiam com receio de que a farinha tocasse seus pés/sapatos. Fui formando o círculo, enquanto as demais pessoas que estavam viradas para o pretenso palco chegavam e se acomodavam. Estava quase fechando o círculo quando num determinado momento me deparei com um tênis que me chamou atenção, achei bonita a cor dos cadarços. No momento senti vontade de propor a troca entre nossos sapatos. Cedi ao impulso. Trocamos. Dessa relação, eu o convidei para ser o Rorô e ele topou. Ésio Magalhães, em curso no Barracão de Teatro (SP), falou uma vez algo que eu compreendi da seguinte maneira: a relação pontual tem um poder de irradiação. Se você cativa uma pessoa, suas chances de cativar mais algumas juntas se ampliam. Cativei o Rorô... mais alguns vieram na leva... Essa apresentação super-funcionou! Gosto de identificar os porquês. Nem sempre os encontro, nem sempre quando os encontro tenho clareza sobre eles

Leo, meu Romeu!!!!



Nas escolas seguintes, situações diferentes das anteriores me desafiaram a reagir. Assim, minha entrada - em meio às pessoas que estão sobre o espaço em que ocorre a apresentação, demarcando com farinha, enquanto me relaciono com um e com outro- teria sido comprometida. Na escola Sadao Watanabe os alunos estavam já organizados em semi-círculo por conta de apresentações ocorridas anteriormente. Mesmo assim, insisti na idéia - sem sentido, já que já estavam organizados - de fazer o círculo de farinha. O jogo foi pouco, alguns alunos me pediram para colocar farinha em suas mãos o que logo virou uma atitude repetida por muitos. Apresentação tranqüila. Morna. Na escola Thiago Aranda o público me esperava sentado numa arquibancada de quadra esportiva, numa imensa distância entre eles e eu. Convidei-os para que descessem e se posicionassem mais perto de mim. Aquela distância me incomodava. A situação fora do que eu planejara também. Mas a negação da aproximação física que eu propusera me incomodava sobremaneira. Disse-lhes que se quisessem assistir ao espetáculo fossem para a quadra, onde eu já havia marcado o círculo, e que iria beber água e, ao voltar, se houvesse alguém eu continuaria a apresentação.

Apenas os de menos idade se aproximaram. Os outros não. Não saíram. Queriam ver o que aconteceria, mas não se aproximaram. O espetáculo foi o pior de todos. O garoto que atuou como Rorô preocupava-se mais em se defender de sua exposição tentando fazer graça às minhas custas do que atuar. Percebi que esse público eu não ganhei para jogar COM, mas para jogar CONTRA (mim). Após esse fracasso gigantesco (mal consegui terminar a apresentação tal foi minha incapacidade de articulação das relações), reflexão. Foi quando constatei que cometi um dos maiores erros de um palhaço... o autoritarismo e arrogância pura. Ali eu abandonei o jogo do palhaço e “parti para a ignorância”, com o orgulho ferido pela sensação de ter sido rejeitada. O autoritarismo e a arrogância quando estão presentes na linguagem o palhaço emergem estetizados, não como descontrole (será? Ainda não é clara a relação entre eu e eu-estetizado-palhaço.). Essa atitude evidenciou ainda a pouca disponibilidade para entrar no jogo por eles proposto. Eu poderia ter abandonado a farinha e subido na arquibancada... Chego a escutar as palavras do Avner: “se você tem uma idéia, um jeito que quer que ela seja, nunca funciona” (on line, 2009)

Em ambas as experiências, a tentativa de não abrir mão de uma idéia prévia impossibilitaram a procura de outro jogo de improvisação mais adequado. A isso relaciono à existência do preconceito, no sentido de idéia ou conceito formado antecipadamente. Um conhecido inimigo da improvisação... Ao optar pela cena improvisada, a disponibilidade do artista em escutar o proposto pelo ambiente é fundamental.

Gostaria de dizer que foi apenas nesse sentido que o preconceito se fez presente, mas não foi. Ao terminar as duas primeiras apresentações, percebi também que o preconceito como “opinião desfavorável” também atravessava meu fazer e minha visão de adolescente. Era preciso me desarmar... estar aberta.

POR FIM...

Além da Entrada, mais quatro momentos do espetáculo estavam roteirizados, entremeados por lacunas preenchidas pelo modo como cada atuante-público reagia, abrindo-se novas possibilidades de encaminhamento das ações e cenas. Entretanto, o presente texto começa a ficar por demais alongado e nem mesmo saí das reflexões advindas da Entrada. Mas elas parecem já servir como amostra para explicitar certas inquietações dessa relação palhaço-público num espetáculo improvisado com atuação do público como personagem.

Entendo que serão muitas as vezes em que ainda concluirei que um dos problemas centrais no espetáculo foi uma escuta débil. Sem escuta, as possibilidades de jogo passam despercebidas em função da ansiedade de impor o que estava pré-estabelecido ou ceder ao nervosismo de se expor.

Gilberto Icle (2008) aponta o tempo presente como a natureza mesmo do teatro. O que caracteriza as ações teatrais é um fazer-pensar, um fazer-estar no momento presente, que é ainda mais exigente quando se trata da linguagem do palhaço e de improvisação. E estar significa escutar. E escutar vincula-se estreitamente ao relaxamento, requisito que embora conheça sua necessidade, ainda trabalho artesanalmente e com muito esforço em seu desenvolvimento.

Por fim, gostaria de lembrar que este texto é atravessado por um conjunto de concepções acerca do trabalho do palhaço. Evidentemente, elas podem não coincidir com a visão de outros artistas, bem como mais adiante posso perceber de outro modo. Mas por hora, elas me orientam. O diálogo é muito bem vindo, me ajuda a crescer. Convido-os desde já.

BIBLIOGRAFIA

CHACOVACHI.Chacovachi entrevista Jesús Diaz, palhaço e diretor da Sensacional Orquesta Lavadero, do México. 2009. Em: http://picadeiroquente.blogspot.com/2009/08/chacovachi-entrevista-jesus-diaz.html

EISENBERG, Avner, Uma amostrinha - que é pra dar água na boca - da entrevista do Avner. 2009. Em: http://picadeiroquente.blogspot.com/2009/06/amanha-tem-lancamento.html

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

ICLE, Gilberto. Improvisação: da espontaneidade romântica ao “momento presente”. Em: FLORENTINO, Adilson; TELLES, Narciso. (Org.). Cartografias do ensino de teatro. Uberlândia: EDUFU, 2008.

VIANNA, Tiche. Tiche Vianna e as máscaras. 2009. Em: http://fitafloripa2009.blogspot.com/2009/06/tiche-vianna-e-as-mascaras.html

*Caroline Holanda é Mestre em Teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, com pesquisa em Teatro de Animação e palhaça em construção. Contato: carolmassinha@yahoo.com.br Blog livre - pensando em voz alta sobre Palhaço e Teatro de Animação: http://bola-cor-e-flor.blogspot.com/



segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O TEMPO DOS BUFÕES

Jacques Lecoq

A diferença entre o clown e o bufão é que o clown está sozinho enquanto o bufão faz parte de um bando: reside também em que zombamos do clown enquanto os bufões zombam de nós.

A base bufonesca levada até a paródia. Os bufões se divertem em reproduzir, a maneira deles, a vida dos homens através dos jogos e das “loucuras” (folies). A paródia não é diretamente ofensiva em relação ao público; não há vontade deliberada de zombar dele: a relação e de outra ordem.

Os bufões vêm de outro lugar, estão vinculados à verticalidade do mistério, fazem parte da relação do céu e da terra, cujos valores derrubam. Cospem no céu e invocam a terra. Nesse sentido, estão no mesmo espaço que a tragédia; cruzam-se na mesma vertical.

Os bufões são organizados hierarquicamente e vivem numa sociedade perfeita, sem conflitos, onde cada um encontra o seu lugar exato: uma imagem ideal da nossa. Existe o que bate e o que e batido, aquele que tem a palavra e aquele que é levado por um outro que não a tem, sem revolta nem questionamento algum. São polidos e ajudam uns aos outros. Por que essa perfeição? Porque não são como nós. A imaginação do mistério faz com que adquiram outro corpo, o que lhes possibilita criar uma distância entre eles e nós e poder sair na rua, estar ao nosso lado, e ao mesmo tempo permanecer si mesmo e nós também.

Cada país tem, no mais profundo da sua cultura, uma fonte bufonesca que ressurge no trabalho dos bufões: a América Latina traz seus pássaros mágicos do Volador; os ingleses, as feiticeiras noturnas de Shakespeare; os franceses, o alimento e as cozinhas rebelesianas; os alemães, os mitos da Lorelei; os suecos, os pequenos monstros das noites brancas.

O espetáculo dos bufões pertence ao teatro da imagem. Os gestos são transpostos e encontram sua organização a partir do figurino, que obriga a fazer apenas certos movimentos até chegar a uma acrobacia catastrófica que seria impossível efetuar com um corpo normal. Assim, os bufões aparecem com cor, com ventres enormes, com peitos imensos compensados por grandes bundas; bolas crescem nas suas articulações, sobre corpos filiformes. As pernas chegam a dois metros ou desaparecem debaixo do corpo, emboladas, nos rés do chão. Há também os bufões da beleza diabólica, elegantes, e os inocentes que a gente protege.

Esse povo dos bufões é imenso e não se pode precisar os limites deles. Encontramos neles, como num eco, as pinturas de Jerônimo Bosch, Aristófanes, Shakespeare, o pai Ubu, as gárgulas das catedrais da Idade Média, o bufão do rei e bebesões de quarenta anos. Os bufões pertencem à loucura, a essa loucura necessária para melhor salvar a verdade. Aceitamos do louco (bobo) o que não aceitamos de uma pessoal dita normal. Podemos desculpá-lo quando diz palavras que incomodam, mas o ouvimos, como o rei ouve o seu bobo.

Eis exemplos que a imaginação faz florescer por meio do espetáculo dos bufões. Muito diferentes uns dos outros, eles se reúnem em torno de temas que lhes dizem respeito. Vão representar diante de nós de modo heteróclito, próximo das paradas, as nossas próprias loucuras. Representam nossa sociedade, os temas do poder, da ciência, da religião, em “loucuras” (folies) organizadas segundo regras precisas em que o mais fraco dirige os outros e declara guerra porque está entediado.

Assim, os bufões denunciam e, ao mesmo tempo, propõe o espaço trágico. É por isso que os espetáculos dos bufões, em minha escola, mando que digam grandes textos poéticos. No momento mais favorável, no máximo de uma tensão, um dos bufões toma a palavra e diz, sem paródia, grandes textos: a bíblia, Artaud, Saint-John Perse, Eliot, Pasolini, Rimbaud, Shakespeare... Os bufões tornam possível ouvi-los melhor do que num serão poético com traje de noite. O ritmo, a dança martelam o solo, e os instrumentos de percussão batem o tempo em rituais que preparam o acontecimento.





Jacques Lecoq, “Le temps des bouffons” (O Tempo dos Bufões), p. 119, in Le Théâtre du geste. Mimes et acteurs. Sous la direction de (O Teatro do Gesto. Mimos e Atores. Sob a direção de) Jacques Lecoq. Paris: Borbas, 1987. – Tradução de José Ronaldo Faleiro.



Fotos da bufona - por Leonardo "Salo"






Obrigada ao Salo.
Essa imagens é do momento do duelo (que contei na postagem anterior).
Esse aí é um bufão de vida. Aquele de quem falei.
Carol