domingo, 12 de setembro de 2010

Anjos do Picadeiro - Festival de Palhaço! Programemo-nos!

II Seminário de Comicidade está com inscrições abertas !!!

Este ano o Encontro Internacional de Palhaços – Anjos do Picadeiro será realizado no Rio de Janeiro, no período de 06 a 12 de dezembro, com o tema Rio para quem? em uma proposta inovadora, para o encontro, de pensar o riso e a cidade. O II Seminário de Comicidade Anjos do Picadeiro, em conformidade com a proposta ampla do tema, abre inscrições para apresentação de trabalhos que, necessariamente abordem o tema do riso em perspectiva ou não com a cidade.

Aceitamos inscrições gratuitas para comunicações orais e depoimentos tanto de estudiosos do tema quanto de artistas interessados em discutir pesquisas referentes à criação de seus números. Basta enviar um pequeno resumo de sua fala para o e-mail seminarioanjosdopicadeiro@gmail.com com o título Seminário de Comicidade, até o dia 10 de novembro de 2010.


Corre e escreve um resumo para participar desse encontro!!!

A bruxa apaixonada e lobo bobo - versão contacão de história.




Ontem eu e o Glauber Holanda (orgulhosamente meu irmão), apresentamos juntos, pela primeira vez em nossas vidas "A Bruxa apaixonada e o lobo Bobo", no "modo contação de história", na Livraria Cultura, em Fortaleza.

Sabe, tem dias que me chateio muito comigo mesma porque não estou fazendo/treinando palhaço com constância. Porque tenho idéias não realizadas, porque não tenho treinado o corpo... mas ontem eu tive a impressão que esse conjunto de coisas que venho fazendo "já é" e reverberam no trabalho. Que conjunto de coisas? As aulas de teatro ministradas na universidade, o curso de palhaço com a Júlia e com o Flávio, as conversas, as intervenções pontuais (como uma meia hora no Festival de Teatro de Guaramiranga)...

Ontem , na livraria, estava cheio, e as pessoas se organizaram de tal modo a permitir a nós um espaço de trabalho (o que não aconteceu muito bem das outras vezes). Foi um dia em que a Ju, responsável pela nossa seleção e contratação, disse que recebeu três ligações perguntando se a contação seria comigo e com aquele magrinho (?,?, podia ser o Miguel, o Tom, o Glauber, e o Vanildo (que quero levar ainda) Gente só trabalho com magricelo!). Foi também um dia, por fim, em que as pessoas ficaram lá. Paradas. A gente se despedindo e elas esperando mais... visivelmente.

Eu dizia pro Glauber... temos no mínimo 24 anos de trabalho de entrosamento... a idade dele. Isso faz diferença...

Tecnicamente, muita improvisação... brincadeira com um pai e outro mais receptivo (sabe aqueles da oficina de contação de história para pais? estavam lá...
um deles, eu incomodo bastante dizendo que isso e aquilo "é do tempo dele"). Achei bonito eles voltarem, eles se deixaram cativar...

uma senhora bonita que fez umas imagens "fotográficas" da chapeuzinho com bolas brancas. Nem precisava da participação dela, matematicamente falando, mas pelo gosto de relacionar-se de estar, foi. E super valeu a pena!... Urubu com gestos micros: uma criança que deu uma aula de interpretação... gestos tão tão sutis, não falava, mas tão verdadeiro, tão entregue ao seu trabalho que arrancou aplausos logo e apenas quando posicionou o corpo para iniciar a atuação.

Tecnicamente, hoje eu mais uma vez encarei meu medo de pausa e de silêncio... pausas e silêncios dilatados... como se uma energia grande me suspendesse no tempo-espaço... e as pessoas ali... conosco... eu muitas vezes com o foco e ele, o parceiro, generosamente reforçando a sustentação do meu foco... coisas de músico... os atores têm muito a aprender com os músicos.

Continuo precisando dominar a triangulação.

Preciso melhorar a redundância da fala e da ação. Senti medo de não ser compreendida só com o corpo e narrava o movimento. Definitivamente não é o que eu quero pro meu trabalho...

Preciso escutar o meu parceiro. Desde a última vez já isso: termino com a impressão de estava muito tempo sozinha, com momentos de jogos em parceria. E acho que isso é um sintoma de que estou escutando pouco meu parceiro.

E daí eu frustrada porque roda, roda, roda, e eu estou na contação de história... pois é né, CArol? A contação no fundo sempre teve de palhaço. Ela ainda tem e se mantem sendo um exercício cênico que alimenta o teu palhaço, certo? Gratidão à vida pela oportunidade.

Gratidão aos magricelos. À Juliana pela oportunidade e aos pais que repetem o passeio do sábado por nossa causa...

Contribuições da Técnica do Clown para Formação e Treinamento do Ator Contemporâneo

Achei esse texto da Débora, a quem interessar possa...
**************************************************


Universidade do Estado de Santa Catarina – Centro de Artes
Programa de Pós Graduação em Teatro
Disciplina: O Ator e a Teatralidade Contemporânea
Professor: José Ronaldo Faleiro

Aluna: Débora de Matos


Contribuições da Técnica do Clown para Formação e Treinamento do Ator Contemporâneo

O clown ensina o ator a simplesmente ser. A usar uma máscara que revele em vez de esconder sua vida interna, sua organicidade. Como diz Iben Nagel Rasmussen (atriz do Odin Teatret), a energia do clown ensina às outras energias do ator a flutuarem e também a voar, faz com que o ator “seja” e “esteja”; ensina a verdade, uma verdade ridícula, ingênua e principalmente generosa, que, dilatadas, acabam englobando todo seu ser e todo o trabalho do ator
Renato Ferracini

Este trabalho desenvolvido como pré-requisito à conclusão da disciplina O Ator e a Teatralidade Contemporânea (2006/2) do Programa de Pós-Graduação em Teatro do Centro de Artes/ UDESC tem como objetivo investigar as possíveis contribuições da técnica do clown à formação e treinamento do ator contemporâneo. Trata-se de uma investigação uma vez que as fontes bibliográficas disponíveis são pouquíssimas e o próprio conceito de clown não possui uma unânime e objetiva definição entre atores, clowns e teóricos do fazer teatral.
Clown “é um conjunto de elementos muito difícil de definir com precisão”. Talvez, seja tão difícil defini-lo “porque o clown é tão infinito quanto nosso sonho”. Ou então, como afirma Dimitri, “é extremamente difícil pois os clowns têm um segredo que somente eles conhecem! Ele caiu sobre os seus narizes, quando estavam no berço” (DIMITRI, 1982: 36). Mesmo diante de tamanha imprecisão, o encantamento que causa a linguagem do clown instiga-nos a defini-la como foco de investigação deste trabalho. Isso porque, encontramos nesse material uma forma de refletir sobre a formação e o treinamento do ator contemporâneo, através de uma abordagem específica que é a linguagem do clown.
Uma breve explanação
Antes de prosseguirmos esta investigação faz-se indispensável indicar, mesmo que de forma simples e rápida, as características do ator no teatro contemporâneo, bem como as especificidades do clown que nos interessa para este estudo. Não buscamos com isso definir de forma totalizadora o ator contemporâneo ou mesmo a prática do clown. Tal atitude facilmente resultaria numa definição simplista e reducional. Contudo, faz-se necessário lançar pistas que nos ajudem a situar as questões levantadas referente à técnica do clown como método de formação e treinamento do ator.
A partir do século XVIII, tendo como principal referência o Paradoxo do comediante, tratado escrito por Denis Diderot (1713-1784), embora a obra só tenha sido publicada em 1830, inicia-se um processo de reflexão sobre a prática do ator. Esta foi, por Diderot, estruturada em três momentos: a observação da natureza, do “mundo físico e moral”; abstração da natureza observada e a amplificação e aplicação deste material na cena teatral (ROUBINE, 2003: 80). Nesta mesma época, Johann Jacok Engel (1741-1802) escreve Carta sobre a Mímica no qual reflete a prática do ator, porém de uma forma mais sistematizada, investigando a mímica enquanto um gesto expressivo e não pictórico. Neste momento, marcado pelo Iluminismo, as teorias eram estruturadas de forma a valorizar a razão no lugar da emoção, bem como o controle e a autodisciplina no lugar do fluxo emocional. De lá pra cá, as teorias sobre a prática do ator foram repensadas e transformadas por pesquisadores como François Delsarte (1811-1871), Rudolf Laban (1879-1958), entre outros, até chegarmos a Constantin Stanislavski (1863-1938), que influenciou de forma significativa o teatro e conseqüentemente a prática do ator na contemporaneidade. Todos estes pesquisadores reconheciam em suas teorias o ator como núcleo do fenômeno teatral.
Porém, é por todo século XX que as reflexões sobre a arte do ator passam por um período de efervescência. Na busca de negar o teatro dito comercial, e em alguns casos o próprio teatro naturalista, encenadores, “todos eles (cada um por sua conta)”, movimentados pelo desejo de uma renovação na cena teatral, “preocupados com a necessidade de criar um ator novo para um teatro diferente (...) repensam a prática teatral” e com ela a arte do ator (FÉRAL, 2001: 01). É, portanto, a partir dessa efervescência que situamos o ator contemporâneo que nos interessa neste estudo.
Josette Féral, através de entrevistas realizadas com encenadores do teatro contemporâneos (Robert Wilson, Richard Foreman, Jacques Lassalle, Alice Ronfard, entre outros) pontua algumas questões recorrentes a prática do ator. Dentre elas, destaca a noção de energia e presença; a importância do trabalho corporal e vocal; a idéia de um treinamento individualizado, de acordo com a necessidade de cada corpo e a validade de um
domínio perfeito das técnicas de base, aumentadas por certa sensibilidade e por uma vigorosa imaginação. A isso se acrescenta a necessidade de uma escuta do outro que torna o ator atento (...) e lhe permite reagir instantaneamente às infinitas variantes da situação (FÉRAL, 2001: 07).
A palavra energia é de origem grega e significa em trabalho (FERRACINI, 2001: 107). Féral aponta para uma constante observada nas práticas e reflexões dos pesquisadores do fazer teatral: “a energia é concebida como uma propriedade do corpo e, como tal, está presente em cada indivíduo”, mas ela só é útil aquele ator que aprende a dominá-la e administrá-la (FÉRAL, 2001: 30). Segundo Eugênio Barba, é através da variação tônica, criada pela manipulação do ator de suas energias, que este gera um corpo em vida capaz de despertar a pré-expressividade do ator e conseqüentemente o interesse do espectador (BARBA, 1994). Para Féral, a “questão da energia está intimamente vinculada à da presença” (FÉRAL, 2001: 31) e esta é, sem dúvida, de extrema importância à prática do ator, auxiliando-o a seduzir seu público, produzindo interesse e deslumbramento.
Tais pesquisadores substituem a idéia de trabalhar sobre a emoção do ator para valorizar “‘a organicidade’ do gesto”, “a justeza da palavra”, “a verdade do movimento” (FÉRAL, 2001: 27). Uma vez que o ator atinja essas qualidades “a emoção surgirá por si mesma do encontro bem sucedido entre o ator e o espectador” (Ibidem). Para tanto, torna-se indispensável um intenso trabalho corporal (corpo-mente). Um treinamento que permita ao ator conhecer e potencializar seu instrumento. Féral afirma que a prática do ator o coloca numa incansável busca “tanto física quanto espiritual e moral. Essa busca deve, porém, passar concretamente pelo corpo, que deve fazer a experiência das coisas. Nesse ponto, a opinião de todos os encenadores converge” (Ibdem: 28).
Desta forma, o ator que colocamos no centro deste estudo é um investigador, que busca explorar, de forma extracotidiana, suas potencialidades pessoais para trabalhar com controle e justeza no seu processo de criação. Um ator que seja senhor de si e de sua arte, um instrumentista que tenha pleno domínio de seu instrumento, um artesão que conhece “antes de tudo os rudimentos do seu ofício” (Ibidem:16). Para a maioria dos encenadores contemporâneos, o meio para se chegar a este controle e domínio de sua arte é a técnica. Não uma técnica que apenas possibilite ao ator adquirir controle e apreensão de sua fisicalidade, mas que o permita desenvolver a organicidade, a presença, a espontaneidade. Segundo Feral,
Fica óbvio, igualmente, que a técnica já não toca somente os aspectos corporais do jogo do ator, mas também a sua voz, a sua relação para com o texto, a sua presença em cena, a sua relação com o espaço, o seu impulso, a sua energia, e, em suma, a sua personalidade (Ibidem: 18).
Além de lançarmos pistas das necessidades do ator contemporâneo, usando como suporte referencial as características recorrentes apontadas por Féral através de entrevistas realizadas com encenadores contemporâneos, torna-se prudente situar as especificidades do trabalho sobre o clown pertinentes a esta investigação.
A título de esclarecimento, para este estudo, clown e palhaço apesar de possuírem uma formação etimológica distinta, devem ser entendidos como termos que significam a mesma coisa. Roberto Ruiz afirma que a palavra clown é derivado de clod, que significa “camponês”, homem rústico, ligado à terra, ao campo (apud BURNIER, 2001: 205). Já a palavra palhaço é de origem italiana e provavelmente é derivada de paglia que significa “palha”. Acredita-se que tal formação ocorre em decorrência do material que estes cômicos usavam para confeccionar seus figurinos, servindo para protegê-los em algumas quedas.
Apesar desta distinta formação etimológica, ambos possuem uma mesma matriz tipológica (como os bufões e bobos). Isso porque, como afirma Burnier, eles contem em si “uma mesma essência: colocar em exposição a estupidez do ser humano, relativizando normas e verdades sociais” (BURNIER, 2001: 206).
Sendo assim, o clown não é, nesta concepção, identificado como um personagem. É “o mais nu de todos os artistas porque põe em jogo a si mesmo, sem poder trapacear” (DIMITRI, 1982: 37). É a revelação e dilatação, num âmbito psicofísico, da ingenuidade, da fragilidade, do ridículo, da estupidez, e principalmente (ou talvez por conseqüência) da humanidade de cada um. Como afirma Burnier, “não se trata de um personagem, ou seja, uma entidade externa a nós, mas da ampliação e dilatação dos aspectos ingênuos, puros e humanos (como nos clods), portanto ‘estúpido’, do nosso próprio ser” (BURNIER, 2001: 209). Exatamente por isso que um clown é pessoal e único. Sua expressividade corpóreo-vocal, suas ações físicas e sua forma de relacionar-se com o real (corpo, espaço e público) têm como esforço uma lógica psico-corpórea própria, peculiar a cada ser humano.
Logo, o clown que nos interessa aqui é a expressão extracotidiana dos recantos mais estúpidos, ridículos, frágeis, voláteis e belos de um ser humano, constituída em linguagem teatral. É o ser humano em sua forma tosca, amoral , pouco lapidada pela sociedade vigente. Trata-se do homem em jogo com sua própria condição humana, e divertindo-se “a cerca de si mesmo” (MACHADO, 2005:102), revendo desta forma os valores morais e sociais. Ele vem para questionar as regras, para denunciar o mundo absurdo e trágico que vivemos.



Elementos preciosos da prática do clown à formação e treinamento do ator
Essa busca de seu próprio clown reside na liberdade de poder ser o que se é e de fazer os outros rirem disso, de aceitar a sua verdade. Existe em nós uma criança que cresceu e que a sociedade não permite aparecer; a cena a permitirá melhor do que a vida.
Jacques Lecoq

A prática do clown exercita no ator algumas características inerentes à linguagem clownesca: disponibilidade, percepção, espontaneidade, presença, prazer pelo jogo, habilidade de improvisação, capacidade de relação e interação do corpo (corpo-mente) com o meio, coragem, generosidade, compromisso com a verdade. Para discutir tais características no trabalho do ator usamos como principal referência as pesquisas realizadas pelo Núcleo Interdisciplinar de pesquisas teatrais – LUME, dando destaque aos estudos de Luiz Otávio Burnier, Renato Ferracini e Ricardo Puccetti.
No trabalho pedagógico desenvolvido por Burnier, sobre a prática do clown, o ator, num primeiro momento, passa por um processo iniciático, através do uso da máscara e da exposição do seu ridículo e sua ingenuidade. Sobre este prisma, o processo de descoberta do ator de seu próprio clown inicia-se através do “confronto entre o que é estereotipo (as máscaras que esconde, nossa pessoa) e a essência de nosso ser, nossas fraquezas, nossa pureza, nosso ridículo” (Ibidem: 218). Este processo é marcado por um estado de entrega e desarmamento. Trata-se do momento em que o ator vivenciava um auto-desnudamento a fim de conectar-se com sua essencialidade. Busca-se, com isso, acessar suas fragilidades, seu ridículo, sua fraqueza, sua estupidez e, por que não, sua humanidade.
Após esta “quebra de couraças”, o ator passa a organizar o material surgido nos exercícios de iniciação e começa a compor sua corporeidade. Aqui ele vai codificando seu jeito próprio de andar, de olhar, de sentar, se relacionar, agir e reagir, construindo, assim, seu léxico corpóreo. Este processo de conscientização e codificação da corporeidade e das ações do clown surge, no método de Burnier, no contato direto com o público, feito principalmente, através de saídas de campo. Os clowns vão à rua, cada qual com um objetivo específico, buscando a relação com o espaço (área, pessoas, coisas).
Desta forma, o processo de formação e treinamento do clown coloca o ator, desde o princípio, em situação relacional. É principalmente através da relação que o ator acessa seu universo interior, realizando a interação do corpo (corpo-mente) com o ambiente. Segundo Maria Ângela Machado “a característica cômica do clown encontra-se num estado particular de comunicação e interação” (MACHADO, 2005: 12-13). Desta forma, o processo de descoberta do ator de seu próprio clown passa pelo contato com o universo interior do ator e a capacidade de interação desse, com o meio a sua volta.
Por ser, a arte do clown uma técnica “quase inteiramente relacional” (BURNEIR, 2001 219) o olhar é, segundo alguns estudiosos, o que dá vida ao clown. Logo: “se um clown não olha, não existe” . Sua forma de olhar o mundo é de constante interesse e curiosidade. No treinamento de Cristiane Paoli-Quito dá-se importância, na formação do clown, à “qualidade do olhar, do modo específico de conexão e de afeto com o mundo. Paoli-Quito insiste no ‘brilho no olhar’ (...) Busca-se um olhar ingênuo (receptivo e curioso), expressivo, permeável, tranqüilo, vivo, que afete e crie expectativa” (MACHADO, 2005: 82-83). Desta forma, a qualidade do olhar adquiri uma extrema importância nesta prática de treinamento. Como conseqüência, tem-se um ator com sua percepção dilatada e um estado de presença inerente a esta condição.
Outro elemento importantíssimo à prática do clown é o trabalho sobre o corpo. Isso porque o principal meio de expressão de um clown é seu corpo (corpo/voz). Através do corpo, ele se relaciona com o mundo. Sua corporeidade é resultado da combinação do espírito brincalhão, com a lógica própria e a relação direta e real com o que está ao seu redor. Segundo Burnier
suas palavras [do clown] estão em seu corpo, em sua dinâmica de ritmo, em sua musculatura bem determinadas, claras, conhecidas, mas a seqüência delas ele improvisa segundo as circunstancias que vivencia. Mesmo num espetáculo, em que tais circunstâncias são predeterminadas, ele está livre para os estímulos que vem dos espectadores; adapta, cria, viaja com seu público (BURNIER, 2001: 221).
Para Ferracini, a corporeidade do clown é a manifestação de algumas energias/emoções como o lirismo, a inocência, a ingenuidade, a fragilidade, o ridículo. O ator entra em contato com suas energias/emoções, transformando-as em corpo. Assim, a corporeidade do clown é a expressão extracotidiana da condição humana do indivíduo que o representa. É a dilatação do ridículo, da fragilidade, do fracasso, da ingenuidade.
Além do exercício de revelar e dilatar, de forma extracotidiana, a sua própria estupidez através da relação direta com o espaço, este estado de constante interação com o meio permite ao ator cultivar um estado de constante disponibilidade e flexibilidade (no sentido da adaptabilidade) psico-corpórea. Isso porque, para esse treinamento “exige-se um corpo que saiba articular e desarticular seus hábitos e padrões de movimento conforme a exigência da relação com o ambiente: modos de estar, perceber e agir” (MACHADO, 2005: 22). Logo, o ator exercita seu instrumento, deixando-o livre e flexível para jogar, e portanto se relacionar a partir de qualquer situação. Prepara seu corpo para estar na relação e dialogar com o imprevisto, expondo-se e brincando acerca de sua humanidade.
O que caracteriza o clown de ser pessoal e único é algo que muitos estudiosos chamam de Lógica Própria. Segundo Burnier, esta lógica é a forma de pensar própria de cada clown. É importante ressaltar que no trabalho do ator, este pensar não é algo puramente racional, mas trata-se de um pensar que é psicofísico, corporal. Através do exercício e da conscientização desta lógica própria o clown passa a compondo sua corporeidade. Ela se revela através de situações que coloca o indivíduo em confronto com seu próprio ridículo.
Um avanço importante (...) é quando o ator encontra o modo de pensar de seu clown. É o modo de ser e pensar do clown que determina todas as suas ações e reações, sua dinâmica, seu ritmo. Não se trata de um pensar racional, mas de um pensar corpóreo, muscular, físico (...) É um pensar também afetivo e emotivo. Mas, sobretudo, o aspecto corpóreo desta afetividade e emocionalidade (BURNIER, 2001: 219).
A lógica própria é facilitadora, na prática do clown, da veracidade e singularidade na construção corpóreo-vocal, da relação peculiar de cada clown com o mundo e da formação de um léxico próprio. Este estágio mais avançado permite ao ator acessar seu universo pessoal: sua maneira particular de andar, de falar, de jogar, de olhar, de se relacionar, de estar em estado de clown. Raquel Scotti Hirson, atriz e pesquisadora do LUME, afirma que o trabalho com o
clown me permitiu “ser” mais. É como se o que eu entendia por “ser” ainda estivesse muito próximo daquilo que eu idealizava e não do que de fato era. O clown também tem essa coisa meio camaleônica de me permitir ser o que eu quiser (...) Não sei explicar muito bem o porque, mais agora que tenho o clown num estágio mais desenvolvido, sinto que posso estar em qualquer tipo de trabalho (HIRSON apud FERRACINI, 2001:229).
Cada clown possui, ainda, seu ritmo próprio. Um ritmo pessoal de cada corpo respirar, olhar, movimentar-se, relacionar-se, afetar-se, agir e reagir. No trabalho com o clown, o ator não tem pressa em se relacionar, em fazer suas ações (e isso não significa que não existem clowns bastante rápidos), pois o clown vive o presente e é tocado e transformado pelo que há de concreto nesta relação espaço/tempo. É importante que o ator tenha tranqüilidade para escutar seu ritmo próprio, dar o tempo necessário da ação, comungá-la com o público, a fim de que este entre no jogo. Assim, o trabalho com o clown permite ao ator estabelecer um contato com seu ritmo pessoal e interagi-lo com o espaço / tempo do encontro teatral.
E finalmente, não poderíamos deixar de falar do jogo teatral, um precioso suporte à relação do clown com o meio (através do jogo com o corpo, com o espaço, com o público e tudo que existe de real entre corpo e espaço). O jogo teatral é uma situação imaginária que envolve psicofisicamente o(s) jogador(es) através da brincadeira e do prazer de tentar resolver uma problemática fictícia. Segundo Geraldo Cunha, o clown ‘se move através do jogo’ (ILGENFRITZ apud CONSENTINO, 2004:74). Para Paoli-Quito, ‘o jogo é o modo para se manter viva a relação’(apud MACHADO, 2005:89). A partir do jogo teatral, através da improvisação, o clown traz para cena as situações reais do espaço e as transforma em dramaturgia cênica, trabalhando a cumplicidade, a generosidade e a humildade. Saber perceber e respeitar o jogo do outro e principalmente saber perder o jogo e viver esta “derrota”, quando assim for, é muitas vezes permiti que o jogo aconteça e permitir o encontro com o outro.
Considerações
A partir desse breve estudo podemos observar que a maior contribuição que a prática do clown pode oferecer a formação e treinamento do ator está vinculada ao seu caráter relacional. A condição da relação (com algo ou alguém) para a existência do clown atribui ao ator uma série de aptidões a fim de facilitar e intensificar tal relação. Isso porque o ator exercita e dilata a “habilidade e aptidão do corpo para permanecer no tempo e no espaço” (MACHADO, 2005: 12). Desta forma, trabalhando sobre a formação e o treinamento do clown, o ator desenvolve a receptividade, a presença cênica, a percepção, a coragem de revelar-se, a generosidade de comungar-se, a habilidade para improvisar e estar em jogo, a disponibilidade, a adaptabilidade, o prazer. Nas palavras de Machado,
esse treinamento instrumentalisza o ator/bailarino em suas potencialidades expressivas, em habilidades de jogo, em improvisação, em habilidades perceptivas, em capacidade de respostas e, ainda, na tão buscada presença cênica, citada na maioria das atuais pesquisas da linguagem do corpo (MACHADO, 2005: 10).
Assim, a situação relacional coloca o ator em estado de prontidão. Exige dele um conhecimento apurado sobre seu instrumento e seu ofício. Permite que sua atuação não seja mecanizada, uma vez que coloca o ator atento e apto a dialogar com o meio, a reagir com o inusitado e surpreender seu público. Possibilita ao ator fazer contato com seu universo interior, reconhecer sua essencialidade, seu ritmo próprio, seu modo peculiar de estar em relação. A partir deste treinamento, o ator vai entrando em contato com seu material pessoal, vai adquirindo autonomia sobre sua criação e afinando seu instrumento de acordo com seu estilo de representação.


Bibliografia
BARBA, Eugenio. A Canoa de Papel: tratado de antropologia teatral. 1ª ed. São Paulo: Ed. Hucitec, 1994. Tradução de Patrícia Alves.
BURNIER, Luís Otávio. A Arte do Ator. Da técnica a representação. 1ª ed. São Paulo: Editora da Unicamp, 2001.
CONSENTINO, Marianne Tezza. A formação do Clown: O teatro como prática de liberdade. Monografia (Trabalho de Conclusão do Curso de Artes Cênicas). Florianópolis: CEART/ UDESC, 2004.
DIMITRI. O Mais Nu dos Artistas, in Clown & Farceurs. Paris: Ed Bordas, 1982, p. 36-37. Tradução de Roberto Mallet (www.grupotempo.com.br).
FÉRAL, Josette. “A arte do ator”, in Encenação e jogo do ator: entrevistas. Tomo 1: O espaço do texto. Montréal (Québec)/Carnières (Morlanwelz): Jeu/Lansman, 2001. — Tradução não publicada de José Ronaldo FALEIRO.
FERRACINI, Renato. A arte de não interpretar como poesia corpórea do ator. 1ª ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.
FO, Dário. Manual Mínimo do Ator. 2° ed. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 1999. Tradução de Lucas Baldovino e Carlos David Szlak.
GAULIER, Philippe. Como ser um Palhaço? In Apuntes de Antón Valén: apostila distribuída ao final do curso de clown ministrado por Antón Valén no 5º Encontro Internacional do Comediante, em Murcia, Espanha, 2001. Material cedido por Patrícia dos Santos.
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1993.
LECOQ, Jacques. Le Théâtre du Geste. 1ª ed. Paris: Ed. Bordas, 1987, p.117. Tradução não publicada de Roberto MALLET (www.grupotempo.com.br).
MACHADO, Maria Ângela de Ambrosis Pinheiro. Uma Nova Mídia em Cena: Corpo, Comunicação e Clown. Dissertação (Doutorado em Comunicação e Semiótica), PUC/SP, 2005.
PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. 2ªed. São Paulo: Perspectiva S.A., 2003. Tradução sob a direção de J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira.
PUCCETTI, Ricardo. “O Clown através da Máscara: Uma descrição metodológica”, in Revista do Lume nº3, pp.82-93, Unicamp: 2000.
__________. Caiu na Rede é Riso, in Revista do Lume, nº2, pp.94-96, Unicamp: 1999.
__________. “O Riso em Três Tempos”, in Revista do Lume, nº 1, pp. 67-74, Unicamp: 1998.
ROUBINE, Jean-Jacques. Introdução às Grandes Teorias do Teatro. 1ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. Tradução de André Telles.


Ilha de Santa Catarina, novembro de 2006.